Artigo de Opinião: Juventudes e Fronteiras no MERCOSUL

28 jun

Artigo de Opinião: Juventudes e Fronteiras no MERCOSUL

Em 2019, mais de 60 milhões de adolescentes e jovens entre 10 e 24 anos de idade viviam nos Estados Partes do MERCOSUL, de acordo com estatísticas da Divisão de População das Nações Unidas. Na Argentina representavam 23,5%, no Brasil 23,2%, no Paraguai 28,5% e no Uruguai 21,6%. Entretanto, nas localidades fronteiriças mais povoadas, esta média é significativamente maior, devido a uma colonização tardia do território, como no caso de Ciudad del Este (Paraguai), ou devido à atração da migração interna ou internacional, como em Foz de Iguaçu (Brasil).

 

A América Latina e o Caribe (ALC) está passando por um processo de transição demográfica acelerado. E apesar dos diferentes estágios demográficos que os países da região estão experimentando, a região ainda tem uma janela de oportunidade conhecida como o “bônus demográfico”.

 

Desafios e oportunidades

A dimensão da fronteira é sem dúvida uma variável chave que influencia as condições e oportunidades de desenvolvimento para adolescentes e jovens. A transição para a vida adulta para aqueles que vivem nessas áreas é particularmente complexa.

 

Em algumas áreas, foi detectada uma série de problemas sociais decorrentes da reprodução precoce, do abandono escolar e da dificuldade de acesso ao emprego, que muitas vezes ocorre no contexto de uma economia informal, e às vezes ilícita. Todos esses fatores contribuem para perpetuar a transmissão intergeracional da pobreza e limitar as oportunidades de desenvolvimento.

 

A falta de acesso a serviços básicos como saúde, educação e trabalho tem um impacto no bem-estar pessoal e coletivo e afeta os processos decisórios individuais. Na medida em que adolescentes e jovens aumentam sua autonomia progressiva e conseguem plena integração social, eles terão melhores condições para alcançar seu pleno potencial.

 

A juventude e a necessidade de políticas públicas focalizadas

Nesse contexto, há quatro fatores que demonstram a necessidade do desenho de políticas focalizadas que levem em conta o território fronteiriço e o ciclo de vida das pessoas que ali vivem.

 

Primeiro, a cobertura de saúde de adolescentes e jovens é menor, com maior precariedade em comparação com as crianças ou com as pessoas idosas. Da mesma forma, aqueles jovens que tiveram cobertura de saúde através de seus pais tendem a perdê-la após os 18 anos de idade.

 

Em segundo lugar, o abandono escolar tende a ser maior nos últimos anos do ensino médio, porque os jovens começam a trabalhar ou a ajudar em novas tarefas. Aqueles que conseguem terminar o ensino médio enfrentam maiores desafios para entrar na universidade.

 

Há poucos ou nenhum programa que acompanhe a transição do ensino médio para a universidade. Enquanto na faixa etária de 15-19 anos nas cidades fronteiriças de Posadas (Argentina), Encarnación (Paraguai), Santana do Livramento (Brasil), Rivera (Uruguai), Concordia (Argentina) e Ciudad del Este (Paraguai) mais de 70% frequentam um estabelecimento de ensino, na faixa etária de 20-24 anos em quase todos os casos fica abaixo de 50%.

 

Em terceiro lugar, há uma maior informalidade econômica. Na América Latina, a informalidade é de 54% em média segundo a CEPAL e a OIT, mas esta porcentagem tende a aumentar substancialmente à medida que nos aproximamos das fronteiras.

 

A atração de uma parte importante da força de trabalho jovem para empregos precários tem duas consequências principais. Por um lado, as pessoas que entram na economia informal tendem a permanecer nela, afetando a solidariedade dos sistemas de proteção social. Por outro lado, os homens jovens tendem a migrar da informalidade para a ilegalidade. Como consequência, há uma alta exposição de jovens fronteiriços a fazer parte de redes de contrabando e tráfico.

 

Em quarto lugar, a população de mulheres na faixa etária de 20-24 anos que não estudam nem trabalham nas maiores cidades fronteiriças do MERCOSUL é significativa, chegando a 38,6% em Rivera. Na faixa etária seguinte, 25 a 29 anos, porcentagens semelhantes são observadas.

 

As pesquisas sobre o “uso do tempo” geralmente escondem a carga de cuidados que as mulheres assumem dentro do lar (trabalho não remunerado), seja o cuidado de irmãos mais novos ou crianças, ou tarefas de limpeza doméstica, entre outros, afetando o desenvolvimento de seus projetos pessoais.

 

Os efeitos da pandemia

A pandemia da COVID-19 teve um forte impacto nas fronteiras. Seu fechamento truncou a dinâmica social e o uso de serviços transfronteiriços. Além do fato de que o impacto tem sido diferencial por cidade, a incerteza tem “congelado” projetos de natureza mais individual.

 

Os desafios impostos pela pandemia aumentaram a necessidade de maior investimento social, coordenação das ações nas fronteiras e garantia de coesão social a fim de contribuir para superar a interseccionalidade das lacunas que afetam suas populações.

 

Dentro desta estrutura, é provável que as mulheres jovens enfrentem novos desafios para conseguir uma maior e melhor participação da reativação econômica pós-COVID-19. Por isso, são necessárias intervenções específicas para garantir sua participação em programas de treinamento profissional e empreendedorismo, bem como a criação de novos espaços de cuidados que permitirão que mais mulheres com crianças se juntem à força de trabalho formal.

 

Além das dificuldades envolvidas em habitar esses espaços, a dimensão da fronteira é uma oportunidade. A identidade fronteiriça de adolescentes e jovens é um valor diferencial que permite gerar projetos de vida intercultural mais associativos e respeitosos da diversidade. É também uma oportunidade para implementar novas formas de participação e inovação social que fortalecem sua capacidade de influenciar a agenda pública.

 

O desenvolvimento de uma cidadania no MERCOSUL que realce o papel da juventude fronteiriça é fundamental para a sustentabilidade da integração regional.

 

Artigo de Opinião do Chefe de Promoção e Intercâmbio de Políticas Sociais do Instituto Social do MERCOSUL (ISM), Nahuel Oddone.

 

 

Publicado por www.latinoamerica21.com.br.