Saúde

Em termos de saúde, os grandes desafios que as políticas públicas colocam aos adolescentes e jovens concentram-se, por um lado, no acesso aos serviços de saúde e saúde sexual e reprodutiva (principalmente das mulheres jovens) e, por outro lado, no consumo de tabaco, álcool e drogas.

O acesso aos serviços de saúde nas cidades gêmeas de fronteira é determinado pelas particularidades da oferta específica em relação à localização de residência do usuário. Historicamente, observam-se situações muito desiguais na referida oferta em ambos os lados dos limites nacionais. Ribeiro Nogueira (2018) identifica várias diferenças na forma de organizar e oferecer bens e serviços de saúde nas cidades gêmeas de fronteira do MERCOSUL. A maioria dessas diferenças está relacionada à organização política e administrativa dos países e aos princípios orientadores dos sistemas de saúde.

 

Os serviços gratuitos oferecidos universalmente, garantidos constitucionalmente, embora com diferenças e especificidades, são comuns aos sistemas de saúde da Argentina, Brasil e Uruguai. No Paraguai, embora o sistema de saúde mantenha, no plano jurídico, certa semelhança com o brasileiro, apenas alguns serviços públicos de atenção básica são gratuitos, o restante é pago (Ribeiro Nogueira, 2018).

 

Os critérios de acesso aos serviços são mais rígidos no Brasil*, onde a documentação exigida impede o acesso de estrangeiros não residentes no município. No entanto, as uniões entre pessoas de ambas as nacionalidades, de um lado e outro da fronteira, permitem a uma parte da população das cidades fronteiriças duplicar o registo de residência e o usufruto de serviços públicos em ambos os países (Oeyen, 2016). Dentro do conjunto de cidades gêmeas analisadas, destaca-se a experiência de colaboração entre Santana do Livramento e Rivera, onde existem convênios para prestação de serviços de saúde na fronteira, o que posiciona este par de cidades como referência no assunto**.

Cobertura de saúde Argentina e Paraguai

Os dados disponíveis sobre cobertura de saúde permitem observar a importante diferença entre Argentina e Paraguai. Em nível nacional, a cobertura de jovens de 15 a 29 anos na Argentina (58%) é o dobro da observada no Paraguai (28%). No caso da Argentina, a maior proteção é observada nas primeiras idades, ao contrário do Paraguai, onde a cobertura aumenta com a idade. Essa situação provavelmente se explica por uma associação entre cobertura e entrada no mercado de trabalho. As diferenças observadas no âmbito das cidades gêmeas são um tanto reduzidas, mas, no entanto, representam realidades muito diferentes.

Maternidade

Outro aspecto importante a se levar em consideração ao se falar sobre a saúde de jovens e adolescentes é o da maternidade. No MERCOSUL, como no restante da América Latina, as taxas de maternidade na adolescência são altas. A gravidez na adolescência é o produto de vários fatores que interagem entre si. A falta de acesso à educação sexual, informações sobre saúde sexual e reprodutiva, métodos anticoncepcionais e uma vida livre de violência constituem violações importantes dos direitos dos jovens, que levam à gravidez não intencional na adolescência (UNFPA, 2018).

A taxa de fecundidade de adolescentes no Paraguai (72 por mil) supera em vinte pontos (por mil) os demais países membros do MERCOSUL, colocando o país em primeiro lugar com a maior taxa de fecundidade adolescente, seguido por Brasil e Argentina (51,8 e 49,2 , respectivamente). Destaca-se a situação do Uruguai que, de acordo com os dados mais recentes, atinge o valor de 43,4, com uma queda muito acentuada em apenas 5 anos (em 2013 era de 61 por mil) (Tabela 11).

 

No âmbito regional, CEPAL e UNFPA apontam as grandes desigualdades existentes na matéria e destacam dois fenômenos particularmente preocupantes: a maior proporção de mães adolescentes pobres e a alta correlação entre gravidez na adolescência e baixa escolaridade (2011: 30). Ao comparar as cidades com os valores médios nacionais, observam-se realidades diferentes: no caso do Brasil, ambas as cidades apresentam níveis de fecundidade adolescente vários pontos abaixo do valor total do país (cuja média é provavelmente mais elevada devido ao peso dos Estados do Nordeste).

 

No outro extremo, o Uruguai apresenta valores na fronteira superiores à média nacional. No caso da Argentina, ambas as cidades superam o número de filhos por mulher em relação à média nacional, assim como apenas um deles (Posadas) supera a fecundidade adolescente média do país. As menores taxas de gravidez na adolescência são observadas no departamentos fronteiriços do Uruguai e suas cidades gêmeas, de Argentina e Brasil, têm valores próximos.

 

Importante perceber que os valores entre esses pares de cidades gêmeas (Salto-Concordia e Rivera-Santana do Livramento) são mais próximos entre si do que em relação à média nacional dos respectivos países. Posadas é a cidade com maior índice de gravidez na adolescência, superando as demais cidades por uma margem de 20 pontos por mil. Por ser a cidade que concentra a maior oferta de serviços públicos de saúde na província e no que diz respeito ao país vizinho, é frequente atravessar a ponte para ir a esses centros para receber atendimento.

As cidades fronteiriças caracterizam-se por serem áreas de menor desenvolvimento econômico, com predomínio de população jovem. Ressalta-se que grande parte das mães adolescentes depende exclusivamente do sistema público de saúde para o cuidado da gravidez e do parto. Situação que apresenta limitações em termos de conhecimento e acesso à anticoncepção eficaz, somadas às deficiências no acesso e nas condições de saúde e educação.

 

Tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas

Sabe-se que o tabagismo é a principal causa de morte evitável no mundo e que o tabagismo é tipicamente adquirido durante a adolescência; a maioria dos fumantes fumou o primeiro cigarro, ou já era viciada, antes dos 18 anos. Embora não haja informações sobre essas questões que sejam específicas das cidades gêmeas, é de se esperar que os jovens nelas não apresentem um comportamento diferente. Para tanto, serão abordadas algumas referências nacionais e regionais de diferentes tipos de pesquisas sobre esses temas, na tentativa de uma abordagem geral para adolescentes e jovens.

Na Argentina, dados nacionais do INDEC indicam que o consumo de bebidas alcoólicas e tabaco na faixa etária de 16 a 24 anos em 2011 teve uma prevalência*** de 52,1% e 26,8%, com valores que aumentam entre 25 e 34 anos para 53,3% e 31,4%, respectivamente. O consumo por sexo apresenta uma diferença que se mantém ao longo do tempo, cerca de 10 pontos percentuais a menos para as mulheres nas duas substâncias. 


No caso do Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE-IBGE, 2015), o consumo de tabaco registra prevalência**** de 30,5% em nível nacional, porém, ao contrário da Argentina, quase não há diferenças por sexo. Chama a atenção o fato de que são os estados do Rio Grande do Sul (Santana do Livramento) e Paraná (Foz do Iguaçu) que apresentam as maiores prevalências de bebidas alcoólicas, com prevalência de 34% e 30,2%, respectivamente, comparadas à média nacional, que registrou prevalência de 23,8%. Novamente, os estados do Rio Grande do Sul (13,2%) e do Paraná (12,2%) compõem o conjunto dos estados com indicadores de uso de drogas bem acima da média nacional.


No Paraguai, de acordo com o Relatório de Drogas realizado pela SENAD em 2018, o uso do tabaco no último mês daquele ano apresentou prevalência de 5% na população de adolescentes estudantes, bem abaixo da média regional. O fato é marcante, visto que o Paraguai tem os preços do fumo mais baixos da região. A idade média de início do uso do tabaco no Paraguai está entre 13 e 14 anos.

O álcool é a substância mais consumida pelos adolescentes escolarizados. A idade média de início do uso é mais precoce que a do uso de drogas, sendo de 13,8 anos contra 14,8 anos de início do uso de drogas. De cada dez alunos entrevistados, seis afirmaram ter consumido álcool alguma vez, quatro no último ano e três no último mês. A prevalência aumenta com a idade, de 14,3% aos 14 anos para 30,4% aos 17 anos. Este estudo verificou um maior consumo entre as mulheres adolescentes. Em relação ao uso de drogas, 3,3% dos jovens afirmam ter usado pelo menos uma vez no último mês. Além disso, ocupa o primeiro lugar na ordem de consumo em comparação com outras drogas. A idade é um fator chave para o aumento do consumo. Os dados indicam que, entre os jovens com 17 anos ou mais, 4,5% declaram ter usado no último mês. A diferença de consumo por sexo é significativa. Os homens apresentaram maior prevalência de consumo do que as mulheres: no mês foi de 3% para os adolescentes do sexo masculino enquanto que para as do sexo feminino foi de 1,8%; para ambos os sexos foi de 2,3%.

 

No Uruguai, de acordo com a 7ª Pesquisa Nacional de Consumo de Drogas realizada em 2018, o consumo de álcool começa na idade média de 16,8 anos e é maior em Montevidéu do que no interior do país*****, com uma prevalência de  62,6 % e 56,1% no interior do país (a informação disponível não discrimina por departamento). Entre os adolescentes de 15 a 18 anos, a prevalência anual é maior nas mulheres (70,1%) do que nos homens (69,7%). Essa situação se inverte na faixa etária seguinte (19 a 25 anos), onde o maior consumo é feito pelos homens, distanciando-se das mulheres em 10 pontos percentuais. Em relação ao consumo de tabaco, a pesquisa cita que, depois do álcool, é a segunda droga mais usada no país. 64,6% das pessoas de 15 a 65 anos já fizeram uso de tabaco em alguma fase da vida. A prevalência por idade indica que entre os adolescentes tardios (15-18 anos) é de 7,7%, passando para 23,9% para os jovens entre 19 e 25 anos, situação que atinge o pico para o grupo de 26 a 25 anos. 35 anos, com 38,4 % de prevalência. Um fato interessante a resgatar é que tanto para adolescentes quanto para jovens a prevalência do uso do tabaco vem diminuindo ao longo do tempo.

 

Isso é mais perceptível nas primeiras faixas etárias de 15 a 19 anos, que passaram de 23,8% em 2006 para 9,7% em 2018. Esta pesquisa também busca conhecer outras substâncias consumidas. Um interesse particular foi levantado em relação ao uso de cannabis*****. Os resultados indicam que, independente da idade, 48% das pessoas já usaram pelo menos uma vez na vida. Essas informações incluem aqueles que continuam a ser usuários frequentes e aqueles que experimentaram uma vez ou já pararam de usar. A medição pelo consumo nos últimos 30 dias, chega a 8,9% na população total.

Há uma diferença importante entre o consumo recente declarado em Montevidéu e no interior do país, de 16 pontos percentuais a favor de Montevidéu. Essa distância também é observada em relação a quem já usou alguma vez na vida (22,3% interno vs. Montevidéu 37,9%). Também existem diferenças marcantes entre homens e mulheres em termos de quantidade e frequência de consumo: a nível nacional, o dobro dos homens (12,1%), em relação às mulheres (5,8%), declaram ter consumido nos últimos 30 dias. Para Montevidéu e interior, os valores são de 11,5% e 6,3%, respectivamente. Entre a população adolescente e jovem, as lacunas permanecem significativas por faixa etária.

 

 

No primeiro grupo, na faixa de 15 a 18 anos, 11,3% declaram ter usado no último mês. Seguido por um salto de 9,5 pontos percentuais, atingindo cifras de 20,8% dos jovens que usaram no último mês. Ao comparar os comportamentos dos jovens quanto ao consumo de álcool e outras substâncias, observa-se que nos quatro países a prevalência no consumo de bebidas alcoólicas é maior. Um fato que chamou a atenção é que, no Brasil, o consumo é maior nos estados de fronteira. Já em relação ao consumo por sexo, as mulheres consomem menos. Isso pode sugerir que as mulheres parecem ter comportamentos mais saudáveis no que diz respeito ao uso de tabaco, álcool e outras substâncias.

* Em Foz de Iguaçu, os critérios de acesso são baseados na apresentação de documentação civil, carteira do SUS e comprovante de residência. No caso de estrangeiro, é necessária a apresentação do Cadastro Nacional de Estrangeiro, do cartão do SUS, do Cadastro de Pessoas Físicas e do comprovante de residência fornecido por órgão público.

 

** De particular relevância tem sido esta articulação anterior ao contexto do COVID-19. Onde, com base na experiência preliminar de cooperação, foi criada uma Comissão Técnica Binacional entre Rivera e Santana do Livramento, cujo objetivo é funcionar como uma unidade de saúde epidemiológica indivisível para os casos COVID-19, experiência que posteriormente foi replicada entre as cidades de Artigas e Quaraí, e Bella Unión e Barra do Quaraí (Coletti e Oddone, 2020). Vale destacar que, segundo Rótulo e Damiani (2010), a fronteira Brasil-Uruguai é uma das fronteiras mais estáveis do MERCOSUL, com estoque de capacidades e acordos de colaboração multinível que favorecem uma agenda cooperativa.

 

*** Prevalência de vida: proporção de pessoas de 16 a 65 anos que consumiram alguma substância psicoativa social no último mês em relação ao total de pessoas da mesma faixa etária.

 

**** Medido através da consulta de consumo dos últimos 30 dias através da consulta de consumo do último ano.

 

***** Em 2013 foi aprovada uma lei que regulamenta o mercado desta planta no Uruguai, a produção (controlada pelo Estado), a comercialização, posse e usos recreativos e medicinais da maconha, bem como os usos para fins industriais.

CEPAL y UNFPA (2011). Informe regional de población en América Latina y el Caribe 2011. Invertir en Juventud. Santiago de Chile, CEPAL/UNFPA.

IBGE (2015). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar – PeNSE. Brasília.

Oeyen, M. (2016). Mobilidade populacional em áreas de fronteira internacional: A configuração dos espaços de vida na fronteira Brasil-Paragua”. Tese de Doutorado em Demografia. Belo Horizonte, CEDEPLAR/UFMG.

Ribeiro Nogueira, V. M. (2018). “A dimensão social do MERCOSUL em espaços fronteiriços: assimetrias e convergências na atenção à saúde”, Revista MERCOSUR de Políticas Sociales 2, 60-73.

UNFPA (2018). Metodología para estimar el impacto económico del embarazo y la maternidad adolescentes

en países de América Latina y el Caribe. Ciudad de Panamá, UNFPA.